O Romantismo de outros tempos por Mehiel Telles

Na primeira metade do século XIX, pairavam na Europa os sentimentos românticos de escapismo e idealismo como uma forma de resistência aos efeitos negativos da Revolução Industrial (poluição, construções maciças, opressão e condições de trabalho alienantes). Isso trouxe significativas mudanças para todas as áreas criativas e, a moda, claro, não ficou de fora: com o retorno do corpete, a cintura voltou a ficar marcada enquanto as saias se avolumaram no quadril pelo uso de várias camadas de anáguas e as mangas inflaram a partir dos ombros pelo uso de almofadas internas, plumas e fios metálicos. O decote canoa, bastante amplo, deixava a mulher com aparência de ombros caídos, e o corset, por ser longo, criava uma cintura com aparência de baixa, revelando o ideal feminino da época, passivo, submisso e frágil.

 

mangas bufantes
Exemplo de manga presunto cheia a partir do cotovelo e com o antebraço justo até o punho (feita entre 1830-1834). Imagem via V&A Museum.

 

Vestido Princesa
Retrato da princesa Maria Carolina de Bourbon-Duas Sicílias pelo pintor Franz Xaver Winterhalter (1846)

 

Adornos de todos os tipos voltaram a ser adotados para atender as aspirações de sonho e fantasia dos românticos: laços, fitas, babados e flores. Penteados, normalmente partidos ao meio, eram enfeitados com tiaras, flores, fitas e chapéus.

 

Vestido de princesa
Retrato da princesa Alexandra da Dinamarca pelo pintor Franz Xaver Winterhalter (1864)

 

Mais adiante, na segunda metade do século XIX, as numerosas camadas de anáguas usadas por baixo da saia deram lugar à crinolina de armação (no início feita de crina de cavalo e, mais tarde, de aço), que, por ser mais leve e, ao mesmo tempo, assegurar a almejada silhueta ampulheta, tornou-se muito popular a partir da década de 1850. A amplitude do diâmetro da crinolina fazia com que a cintura aparentasse ser mais estreita, sendo que as mangas bufantes contribuíam ainda mais para ressaltar esse aspecto.

 

Crinolina de aço (cerca de 1860). Imagem via V&A Museum.

 

Revista Francesa
Ilustração de moda da revista francesa Petit Courrier des Dame, julho de 1855.

 

É interessante notar que circulavam diversas histórias de problemas causados pela crinolina, como por exemplo, mulheres que ficavam presas em seus aros de metal ao descer de carruagens e até mesmo acidentes graves, caso a mulher trabalhasse em ambientes fabris. Do mesmo modo, havia relatos de que a crinolina impedia atividades corriqueiras, tais como sentar-se, passar por portas estreitas, bem como, ficar perto de lareiras com suas saias enormes podia ser bastante perigoso, já que as saias eram feitas de tecidos inflamáveis como a musselina e a seda. 

 

“Acidentes podiam ocorrer”, publicação de 1859. Imagem via V&A Museum.

 

No entanto, ainda que essas histórias tenham um fundo de verdade, é preciso ter em mente que havia muitos moralistas e satiristas de plantão que cuidavam de exagerar e aumentar estes fatos, ignorando, por exemplo, que a crinolina de aço, embora de aparência rígida, era leve, incrivelmente flexível e podia ser comprimida. Exageros e rumores à parte, não se pode negar que a crinolina, devido a sua leveza, trouxe mais conforto à mulher, na medida em que as inúmeras camadas de anáguas, anteriormente usadas, eram muito pesadas, quentes e anti higiênicas, especialmente no verão. 

Posteriormente, entre 1870 e 1890, outras armações internas vieram para substituir a crinolina, como a crinolette, também conhecida como meia crinolina e as anquinhas, que criavam volume traseiro nas saias, ao passo que laços, babados, rendas, caudas, chapéus e sombrinhas continuaram a ser utilizados em abundância.  

 

Corset
Corset de algodão e barbatana de baleia (cerca de 1890). Imagem via V&A Museum.

 

Desde que ressurgiu na moda por volta de 1820, a obsessão por cintura fina só aumentou e, o corset, ainda que tenha mudado de material e formato ao longo do tempo, passou a ajustar cada vez mais a cintura até que, finalmente, no início do século XX, a peça caiu em desuso.  

 

O Romantismo está no ar

 Atualmente, a moda vive um novo caso de amor com o romantismo. À semelhança dos românticos do passado, que valorizavam o indivíduo, as emoções humanas, a natureza, e que buscaram no sonho e no poético uma forma de fugir da realidade prática da industrialização, os românticos de hoje também não estão conformados com a realidade que os cerca e vivem, por isso, uma grande inquietação pessoal. 

 

Napoleão Bonaparte
Franz Winterhalter se tornou o artista favorito de Napoleão III e da Imperatriz Eugênia, que aparece à esquerda do centro, rodeada por suas damas de companhia (1855). As mulheres aqui estão retratadas sob uma luz romântica vestidas com o melhor da moda da época com saias rodadas e ombros à mostra.

 

Ante os tempos turbulentos e incertos em que vivemos, têm em comum com os românticos do passado, um sentimento de nostalgia, o saudosismo de outros tempos, uma ansiedade crônica e, com isso, o desejo de fugir da realidade, cultivando, para tanto, o sonho e a fantasia em uma espécie de devoção à beleza. Daí porque vemos, na moda, uma ressurgência de fitas, laços, babados, plumas e rendas. Aqui, é importante fazer uma ressalva, pois a renda é um dos pilares da moda noiva e por isso a forte presença dela não é nenhuma novidade para esse segmento específico da moda. A diferença é que, agora, existe uma variedade muito maior de rendas, sendo que para cada estilo de casamento e de noiva existe um tipo de renda mais apropriado.  

Os novos românticos têm como ideal de vida a liberdade individual. Liberdade de expressão, liberdade de movimento, liberdade de gênero, liberdade de serem eles próprios, de se realizarem na vida privada, de se auto determinarem, de seguirem seus ideais. Não estão subordinados a uma “ordem superior” que dita como devem viver, quais regras devem seguir. Fazem suas próprias regras. E apesar dessa forte valorização do indivíduo, a necessidade de amor, de se relacionar e formar uma família, em suas mais variadas formas, também está muito presente atualmente. É esse o espírito romântico vigente. Os românticos contemporâneos não morrem mais por amor como no passado, mas lutam por seus ideais, criam suas próprias tradições e, muitas vezes, têm como objetivo transformar o mundo em um lugar melhor (basta pararmos para observar quantas pessoas, hoje, são ativistas e lutam por alguma causa). 

Sim, o romantismo está no ar dos tempos e a moda capturou esse espírito, reinterpretou aqueles trajes de época e os devolveu à contemporaneidade. Por ser a liberdade um valor tão caro para os românticos de hoje, surge a necessidade de conforto, de poder ir e vir sem nenhum tipo de amarra. Então se antes as saias volumosas deixavam a mulher praticamente imobilizada, hoje, o volume pode ser sinônimo de leveza e movimento, se vier, por exemplo, na forma de pétalas de flores ou de babados em camadas em organza de seda.

 

Vestido de Noiva
Saia de pétalas de flores e babados são puro romance e traz volume sem adicionar peso ao look da noiva, enquanto o recorte é uma adição mais moderna ao vestido.

 

Se você pensa em se casar com uma saia mais volumosa, mas não quer se complicar, ou seja, quer poder se movimentar livremente sem depender da ajuda de outras pessoas, aposte nelas. Saias de babados ou de pétalas são ultra românticas, mas também garantem uma entrada de impacto para a noiva, pois trazem dramaticidade e informação fashion ao look, além de serem muito fotogênicas (sem dúvida, muito mais fotogênicas do que uma saia rígida de cetim ou de seda!). 

 

Vestido Emannuelle Junqueira
Saia de babados em camadas traz volume sem adicionar peso ao look da noiva, enquanto a cintura aparece marcada confortavelmente por um delicado cinto de cetim. O recorte é uma adição moderna ao vestido.

 

Da mesma maneira, a cintura, que em muitas situações, no passado, era pressionada ao extremo pelo corset, hoje aparece marcada com conforto pelo uso de cintos e fitas que têm muito mais um efeito decorativo do que de compressão, ao mesmo tempo em que colocam a cintura em evidência, sem causar desconforto, já que o propósito não é mais reestruturar a silhueta. Seguindo essa mesma ideia de evidenciar a cintura sem causar compressão, temos o efeito drapeado do tecido na região da cintura.

 

Vestido de noiva Emannuelle Junqueira
Pétalas de flores aparecem na saia desse vestido de silhueta mais enxuta com mangas assimétricas, que ainda tem a cintura ressaltada pelo lindo efeito drapeado em uma de suas laterais.

 

Recortes e assimetrias, por serem adições mais modernas aos vestidos, contrastam com o romantismo dessas saias e, ao mesmo tempo, o complementam.

 

Mulher com corset
Mulher com corset vitoriano (cerca de 1840). A posição do corpo dela, que aparenta estar duro, nos dá uma ideia de como devia ser desconfortável usar esses rígidos e longos corsets da moda então vigente. Imagem via V&A Museum.

 

Vestido de noiva no corset
O corset, nos dias de hoje, muito mais confortável, é leve e flexível, sem deixar de proporcionar estrutura e suporte. Combinado com uma saia menos ampla e mais “sequinha” no quadril, o look se torna mais contemporâneo.

 

Já os corsets, se antes eram rígidos e pesados para esconder as várias camadas de roupa íntima que eram usadas por baixo, há bastante tempo, se tornaram flexíveis e leves, portanto, muito mais confortáveis. Se você se sente melhor em um vestido com corset pela estrutura e suporte que ele oferece e, considerando, ainda, que o seu casamento é uma das raras oportunidades para fazer uso dele, mas ao mesmo tempo não quer um look de noiva que relembre tanto o passado, combiná-lo com uma saia menos cheia e mais fluida é a chave para tornar o look mais contemporâneo.

As mangas, antes preenchidas com almofadas, fios metálicos, plumas e toda sorte de tecidos que pesavam, hoje, ganham volume, mas sem perder a leveza em razão das características do próprio tecido escolhido (p. ex. tafetá  e organza de seda) e, claro, da modelagem. 

É verdade que poucos elementos de uma roupa remetem mais ao passado e aos contos de fadas do que a manga bufante com decote ombro a ombro, mas quando a manga bufante, na verdade, está atrelada a um cropped top, e a parte de baixo é uma calça de cintura alta, o look não deixa de ser romântico, mas ganha outros significados. 

 

Casamento Civil
Calça bufante de cintura alta combinada com cropped top de mangas bufantes é um look de noiva fresh que transmite força e feminilidade ao mesmo tempo. Mais uma vez, a cintura aparece marcada com conforto.

 

Se você se sente mais poderosa, mais forte, enfim, simplesmente melhor de calça do que de saia, isso não acontece por acaso. A calça é a peça que rompe totalmente com qualquer possibilidade de restrição aos movimentos das pernas, que liberta e iguala a mulher ao homem e seu significado, por isso mesmo, está associado ao feminismo. Já a cauda acoplada à calça contribui para aumentar a potência do look. E se um look de noiva com calça não for compatível com o estilo da sua cerimônia, considere eleger o seu casamento civil ou um dos eventos pré casamento como a oportunidade para ir de calça e deixar esse lado da sua personalidade vir à tona. 

 

Amelia Bloomer, defensora americana do sufrágio feminino, em 1851, propôs que mulheres usassem calças folgadas e bufantes por baixo de uma saia ampla que terminava logo após o joelho. Para ela, o traje da mulher deveria contribuir para sua saúde e conforto, enquanto que a ornamentação deveria ter importância secundária. A moda das calças bufantes só pegou no fim do século XIX e, mesmo assim, seu uso ficou restrito a atividades específicas, como andar de bicicleta.

 

Sem falar que um look de noiva composto de peças avulsas possibilita que você as reutilize muitas e muitas vezes após o casamento. Tops e camisas com mangas bufantes, por exemplo, podem ser recombinadas com a sua calça jeans ou saia preferida. Já a calça de alfaiataria com cintura alta vai super bem tanto no trabalho quanto em um evento mais formal. Afinal, a moda contemporânea tem esse traço forte de misturar estilos, de aliar itens da alta moda a outros típicos da moda casual. 

 

Vestido de casamento civil
Vestido em organza de seda com mangas volumosas possui suaves pregas na saia transmitindo leveza e um romantismo descomplicado, especialmente quando combinado com um par de tênis.

 

A mesma ideia de contraste e complemento entre o romântico e o contemporâneo, vista acima, existe nesse vestido com mangas volumosas. Feito de organza de seda em uma silhueta fluida e ampla com pregas suaves na saia, esse é um look leve, romântico e descomplicado, perfeito para um casamento civil, comemoração de noivado ou mesmo uma cerimônia de casamento mais casual.

 

Vestido de noiva de tafetá de seda
Em um vestido de tecido leve e com movimento, o maxi laço traz atitude e ousadia, sem deixar a feminilidade e o romantismo de lado.

 

Bom, e aí, ainda tem o laço, que é o toque final de toda essa história romântica. Só que aqui, ele é grande e assume o protagonismo do vestido. O laço pequeno traz um quê de menina ao vestido, enquanto que, em um tamanho grande, ele é, por si só, uma declaração de atitude e ousadia, fugindo do lugar comum. Combina com mulheres de personalidade forte, que têm um lado divertido e que, ao mesmo tempo, gostam de cultivar sua feminilidade.

 

A Evolução do Romantismo

Esses contrapontos que os recortes, assimetrias, transparências, modelagens – ora mais enxutas – tecidos leves e fluidos e laços gigas fazem aos componentes mais históricos dos vestidos, como as mangas bufantes, corsets e saias volumosas, são algumas das principais características do romantismo contemporâneo na moda noiva e na moda em geral. Já as cinturas, em outros tempos muito comprimidas, ainda que hoje surjam ressaltadas por um corset, nem por isso perdem em conforto. O romantismo que se manifesta na moda hoje relembra o passado, retoma alguns elementos que compunham aqueles trajes de época e lhes empresta novos significados, novas formas, novos materiais, novas cores, com o intuito de fazer uma conexão com o que estamos vivendo no presente. 

O romantismo evoluiu e, ao contrário do que ocorria no passado, evoca tanto a feminilidade quanto a força, a firmeza e a suavidade. Se antes, a feminilidade estava ligada a noções de passividade e fragilidade, hoje a feminilidade transmite atitude, atividade e inconformismo. Ao transpor essas ideias de feminilidade e força, firmeza e suavidade, que durante muito tempo foram consideradas antagônicas face ao ideal feminino que vigorava, para a linguagem da roupa, podemos falar, principalmente, em volume e leveza. O volume nas mangas e nas saias deixa de ter peso para ganhar leveza e traz, dessa maneira, um senso de força. 

O volume com leveza é perfeito para os contos de fadas modernos porque nele, a mulher se move livremente, criando, assim, uma nova ordem, um novo sentido para o romantismo, muito mais alinhado com os valores vigentes hoje na sociedade, sendo que a liberdade individual, como explicamos acima, é um dos mais caros valores para nós. Além disso, o novo movimento romântico não está mais associado a um único padrão de beleza, como sucedia no passado, dado que a beleza, hoje, é plural.